sábado, 25 de junho de 2011

O Padre Querido

Soube hoje, na reunião da Assembleia Municipal, que morreu o Padre Querido.
Não foi uma surpresa, um choque. A sua já avançada idade, algumas informações de saúde debilitada, trazidas do lar em que estava por quem o visitava, levavam a receber a notícia como natural, quase como daquelas que apenas parecem confirmação.
Mas, ao ouvi-la, de modo nenhum, me foi indiferente. Porque gostava do homem, porque tinha estabelecido com ele relações de simpatia mútua, para não usar a palavra amizade, de que sou muito sovina; também porque, de cada vez que me chegavam, ocasionalmente, essas notícias dele, decidia ir visitá-lo e, depois, esperava uma oportunidade que nunca chegava. Que, agora, não chegará.

Sabíamos da existência um do outro. Dele, sabia o nome e que era o pároco dos Castelos; de mim, saberia ele o habitual, que eu era "um comunista, ali do Zambujal".
Nada parecia aproximar-nos.
Mas um dia, num fim de semana da minha longa estadia no Parlamento Europeu, ao acompanhar uma iniciativa da Quercus, ouvi o Padre Querido falar dos Castelos, da sua história, das sua dificuldades, das suas gentes, das suas "maravilhas" com um entusiasmo e um  "amor à terra" que me "tocaram".     
Os horários dos aviões, ou outro compromisso, impediram-me de, no final da sua palestra, lhe dizer do meu agrado, de como me recordara meu pai a falar nos Castelos, os mesmos deles dois e meus.
No dia seguinte, no avião para Bruxelas, escrevi-lhe a dizer o que não lhe dissera, e mandei-lhe a carta ao chegar ao Parlamento; no fim de semana seguinte, telefonei-lhe, agradeceu-me a carta, trocámos impressões, e resolvi convidá-lo para almoçar na minha vinda seguinte. Pareceu-me hesitar um pouco, mas logo aceitou e ficou combinado que almocaríamos no Cruzamento.
Assim foi, com um episódio a anteceder o almoço que nunca esquecerei pelo seu significado. Disse-me ele, quando nos íamos sentar "antes de mais nada, quero dizer-lhe que informei o meu bispo e o presidente da Câmara que vinha almoçar consigo....
A minha cara deve ter denunciado a surpresa e o desagrado pela informação, e o Padre Querido logo me esclareceu "... não pedi qualquer autorização, apenas os informei porque não queria que viessem a saber do nosso almoço - que decerto vai ser comentado... - por vias indirectas e talvez venenosas...". Achei sensato, não comentei, e esse almoço foi o começo do nosso relacionamento. Por Ourém, pelos Castelos.
A chave da sua porta estava sempre na fechadura, e algumas vezes a usei para ir ao seu encontro no escritório, e terei dado um pequeno contributo para um objectivo que ele tinha relativo ao telhado da Sé Colegiada.

Diziam-me, com surpresa, que se referia a mim com simpatia. Sem surpresa eu ouvia isso, e sempre a ele me referi também com simpatia e apreço. A partir de agora, do dia 21, também o farei com saudade e com o pesar por ter ficado por fazer a visita e ficado por dar o abraço tantas vezes adiado nestes últimos tempos.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Sobre Fernando Lopes e/em Ourém - três breves notas

1.(biográfica) – Fernando Lopes nasceu no concelho de Alvaiázere, mas em Ourém viveu o seu tempo “de ir à escola”, de que deixou um documento muito interessante (“muda aos cinco acaba aos dez”,por agora apenas literário, e de jornal), que é uma crónica de um jogo de futebol entre os miúdos da escola no largo fronteiro à então cadeia e GNR, a “feira do mês”, divididos em duas equipas, uma, dos sportinguistas, os “verdes” , outra dos benfiquistas, os “encarnados… porque “vermelhos” estava excluído do léxico pelo professor Roque. E em Ourém viveu o seu tempo de “descobrir o cinema”, de que guarda a funda memória de ter sido o tempo de a si se ter descoberto como aquilo que queria ser e que é, cineasta.

2. (Belarmino) – Para quem tem a idade de Fernando Lopes, ou lá perto, e andara pelas lutas académicas e pela luta contra o fascismo continuava, onde os cineclubes eram locais de associação e descobertas, o filme Belarmino (de 1964) foi um acontecimento muito marcante; foi cinema português, feito por um jovem – Fernando Lopes estava a anos de chegar aos 30 – com muito qualidade e novidade formal. Dizer dele que foi uma (ou a) marca cinematográfica do neo-realismo, que é um documento histórico relevante na cuktura portuguesa seria motivo de discussão se o que aqui se deixa escrito merecesse ser sequer lido.

3. (Nós por cá todos bem) – O tempo que viveu em Ourém, deixou marcas muito impressivas (e em celuloide…) em Fernando Lopes. O filme (da segunda metade dos anos 70) é, transcrita para linguagem cinematográfica, uma carta de uma mãe para um filho. A aldeia onde a carta é escrita é uma aldeia de ficção, mas é uma aldeia de aqui, a mãe que a escreve a carta não é a mãe de Fernando Lopes mas a carta é a carta da mãe de Fernando Lopes. É assim que me lembro do filme, quando o vi e me “tocou” ao tempo da sua estreia, quando, com outros – Luis Nuno Rito, Zé Quim Simões, Zé Manel Alho e Paulo Fonseca – procurámos trazer alguma animação cultural a Ourém, e começámos por uma sessão na “sede da Banda” com sua a exibição, com a presença comovente da mãe de Fernando Lopes, de colegas seus de escola primária, e do realizador. E uma sala cheia de gente, de afectos e amizades, de emoção.

Nota extra – A vinda e a homenagem a Fernando Lopes, neste dia 20 de Junho de 2011, a exibição de “O Delfim” (de 2002), filmado em grande parte na Quinta da Alcaidaria, são iniciativas que mereceriam acordo e apoio.

E mais não digo. Até porque há, sempre, muito que fica por dizer...